Tradição patrimonialista do direito civil e as tendências de repersonalização
A codificação civil liberal tinha, como valor necessário da realização da pessoa, a propriedade, em torno da qual gravitavam os demais interesses privados, juridicamente tutelados. O patrimônio, o domínio incontrastável sobre os bens, inclusive em face do arbítrio dos mandatários do poder político, realizava a pessoa humana.
É certo que as relações civis têm um forte cunho patrimonializante, bastando recordar que seus principais institutos são a propriedade e o contrato. Todavia, a prevalência do patrimônio, como valor individual a ser tutelado nos códigos, submergiu a pessoa humana, que passou a figurar como pólo de relação jurídica, como sujeito abstraído de sua dimensão real.
A patrimonialização das relações civis, que persiste nos códigos, é incompatível com os valores fundados na dignidade da pessoa humana, adotado pelas Constituições modernas, inclusive pela brasileira (artigo 1º, III). A repersonalização reencontra a trajetória da longa história da emancipação humana, no sentido de repor a pessoa humana como centro do direito civil, passando o patrimônio ao papel de coadjuvante, nem sempre necessário.
O mais pessoal dos direitos civis, o direito de família, é marcado pelo predomínio do conteúdo patrimonializante, nos códigos. No Código Civil Brasileiro de 1916, por exemplo, dos 290 artigos do Livro de Família, em 151 o interesse patrimonial passou à frente. Como exemplo, o direito assistencial da tutela, curatela e da ausência constitui estatuto legal de administração de bens, em que as pessoas dos supostos destinatários não pesam. Na curatela do pródigo, a prodigalidade é negada e a avareza é premiada. A desigualdade dos filhos não era inspirada na proteção de suas pessoas, mas do patrimônio familiar. A maior parte dos impedimentos matrimoniais não têm as pessoas, mas seus patrimônios, como valor adotado.
O desafio que se coloca aos civilistas é a capacidade de ver