A pergunta de vocês nos remete ao cerne, não só da criação poética, mas de todo ato criativo. Ela me interessa tanto do ponto de vista da criação quanto de um ponto de vista teórico. Do ponto de vista teórico, desde as reflexões platônicas e aristotélicas, o debate sobre a criação oscila de modo pendular entre o furor e a techné, ou seja, entre aquilo que mais tarde os latinos chamarão de ingenium e studium. Porém, acredito que em boa medida essa dicotomia tenha sido produzida por uma leitura posterior, de cunho idealista, que ignora o papel central desempenhado pela ascese intelectiva e pela intuição das essências presente na teoria das formas de Platão. Afinal, embora Sócrates não seja poeta, é um endemoninhado: cheio de daimon. Ou seja: a intuição das essências formais efetuada pela filosofia, tal como a poesia, também é fruto de um ímpeto divino. A teoria das formas, tanto inteligíveis quanto sensíveis, ou seja, tanto por via filosófica quanto poética, estaria fundada em duas premissas de possessão: uma pelo daimon e outra pela inspiração divina. E a verdade platônica não são conteúdos mentais, mas realidades formais preexistentes, concretas e objetivas, que se revelam à consciência por meio da anamnese. Do mesmo modo, há uma tradição peripatética muito importante, vinculada ao Problema XXX, portanto, rigorosamente aristotélica, que trata do papel central da melancolia e da bílis negra na criação poética. Ou seja: há uma psicofísica da criação pressuposta na teoria aristotélica. Conectada à teoria dos humores e contra a crença comum de que Aristóteles teria valorizado apenas o studium a despeito do entusiasmo, essa psicofísica poética serve de base a uma teoria da possessão e da loucura divina que chega até a Renascença. O que isso demonstra? Um fato muito interessante: a teoria platônica, que deu origem a toda a metafísica poética da inspiração no Ocidente, é, na verdade, uma teoria de formas, não de conteúdos prévios a serem veiculados, e a teoria da