Tolstói Estudo critico
João Gaspar Simões
I
MUITO CONHECIDO em Portugal e Brasil como autor de uma doutrina que em verdade conquistara adeptos em todo o mundo, o Conde
Leon Tolstói não gozava entre nós de grande popularidade como artista.
Traduzido e comentado, o Tolstói que portugueses e brasileiros conheciam e admiravam era o profeta do tolstoísmo, espécie de religião laica, baseada nos Evangelhos, mas tanto ou tão pouco ortodoxa que alguns dos seus livros doutrinários estavam no índex da própria igreja russa. Tinham-na adotado os livres-pensadores e a sua moral de nãoviolência partilhavam-na quantos acreditavam na bondade inata do homem e no advento de uma era em que a Humanidade viveria unida como uma grande família, banido o mal da terra. E assim, lendo e admirando a Ressurreição, A sonata a Kreutzer e as suas obras propriamente doutrinárias, portugueses e brasileiros pareciam ignorar que
Leon Tolstói escrevera livros alheios aos grandes ideais humanitários e que as suas obras-primas se encontravam precisamente entre aqueles dos seus escritos em que não comparecia a doutrinação moral ou religiosa.
É certo que não foi Tolstói, mas Dostoiévski, o escritor russo que primeiro ganhou audiência nos países de língua portuguesa. À volta de
1920 principiavam a traduzir-se em França, pela primeira vez em versões integrais, os grandes romances do autor de Os irmãos Karamazóv, e a crítica francesa consagrava a este demiurgo da literatura eslava uma atenção tanto mais apaixonada quanto é certo os seus livros terem criado no Ocidente uma verdadeira escola literária. A leitura de Dostoiévski, porém, determinou dentro de pouco, entre nós, uma corrente de simpatia por toda a literatura russa e o escritor que maior entusiasmo ia despertar, depois do romancista de Os possessos, seria, precisamente, Leon Tolstói.
Dividiram-se as opiniões. Havia quem considerasse Dostoiévski inultrapassável e não faltava quem lhe opusesse o gênio de Tolstói,