Texto
Mia Couto utiliza a técnica de construção em abismos para desenvolver o enredo de “Terra Sonâmbula”, que narra a trajetória fantástica de Tuahir e Muidinga, que vagam pelos ermos de um país devastado pela sangria desenfreada provocada pela insensatez humana. Depois que os dois encontram um ônibus carbonizado na beira da estrada, o velho resolve fazer morada, a contragosto de Muidinga, que não vê futuro permanecer ao lado de tantos cadáveres. Depois de resolvido que se abrigariam ali, eles buscam enterrar os mortos. É quando Muidinga encontra uma mala ao lado de um corpo perfurado por balas. Nela estão os maravilhosos cadernos de Kindzu, que jaz ali mergulhado em seu silêncio misterioso.
As histórias de Muidinga e de Kindzu irão se encontrar e se misturar, da mesma forma que a história e a ficção. A narrativa de Mia Couto é repleta de oralidade e de narrativas dentro de outras narrativas, em uma circularidade mágica em que desfilam tipos e estirpes, deuses e homens, identidades e entidades, através de uma reflexão densa sobre a necessidade de se juntar os pedaços e as desapropriações materiais e imateriais de um povo fustigado ao extremo pela tragédia, pela separação e pelo deslocamento. Após iniciar a leitura dos cadernos de Kindzu, Muidinga percebe que a estrada muda constantemente suas formas e suas paisagens. Com o aprofundamento das leituras ele percebe que ela muda também o significado das trajetórias, dos caminhos e dos