Teoria pura dodireito
LIVRO V
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No que diz respeito à justiça e à injustiça devemos indagar com que espécie de ações se relacionam elas, que espécie de meio-termo é a justiça, e entre que extremos o ato justo é o meio-termo. Nossa investigação se desenvolverá dentro da mesma linha que as discussões anteriores.
Segundo a opinião geral, a justiça é aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e a desejar o que é justo; e de modo análogo, a injustiça é a disposição que leva as pessoas a agir injustamente e a desejar o que é injusto. Adotemos, também nós, essa definição como base geral.
Não sucede o mesmo com as ciências e faculdades o mesmo que ocorre com as disposições de caráter. Uma só e única ciência ou faculdade se relaciona com objetos contrários; entretanto, uma disposição de caráter, que é um de dois contrários, não pode levar também ao resultado contrário. Por exemplo, encontramo-nos na situação de termos saúde quando não fazemos o que é contrário à saúde, e sim o que é saudável, e dizemos que um homem caminha de modo saudável quando caminha como o fazem os homens saudáveis.
É por esta razão que, muitas vezes, um estado é reconhecido pelo seu contrário, e também com frequência os estados são reconhecidos pelos sujeitos nos quais se manifestam; no primeiro caso, se conhecemos a boa condição física, a má condição também se nos tornará conhecida; e no segundo, a boa condição é conhecida pelas pessoas que se encontram em boa condição, e estas pessoas são conhecidas em razão de sua boa condição. Se a boa condição for a firmeza de carnes, a má condição se traduzirá necessariamente pela carne flácida, e saudável será aquilo que torna firme a carnatura.
Por consequência, se um dos contrários for ambíguo, o outro o será também; por exemplo, se o "justo" é ambíguo, o "injusto" também o será.
Ora, "justiça" e "injustiça" parecem ser termos ambíguos,