Teoria Liberal
Análise Social, vol. xxxiii (146-147), 1998 (2.°-3.°), 341-358
A teoria liberal e a doutrina do duplo efeito
Será o título do recente livro de Rawls, Political Liberalism, uma das mais espectaculares designações impróprias da história do moderno pensamento político? Penso que sim. Nenhuma percepção do liberalismo, e muito menos a percepção que dele dão Rawls e os seus seguidores, pode ter uma perspectiva apenas política. Isto aplica-se a todas as versões do liberalismo. Mas diante da perspectiva global de Rawls, e à luz das condições contemporâneas, penso que chegou a altura de os defensores do liberalismo — especialmente do liberalismo político — avaliarem as implicações desta verdade.
1. A RESSALVA DE RAWLS
Estamos quase todos familiarizados com uma explicação acerca das bases motivacionais do liberalismo político. Os liberalismos de Kant e de Mill procuravam ser neutros em relação à vida virtuosa e exprimiam essa intenção protegendo a capacidade dos indivíduos de optarem por aspectos importantes das suas vidas segundo o seu próprio arbítrio. No entanto, como a pouco e pouco verificaram quer os críticos, quer os defensores do liberalismo, este tipo de neutralidade continha preconceitos de outra ordem: o liberalismo tradicional permitia às pessoas escolher a vida que queriam (falando em geral), mas, em consequência disso, as únicas vidas que as pessoas das sociedades liberais podiam levar eram vidas que tinham escolhido. Houve quem compreendesse, incluindo certos teóricos políticos, que certos estilos de vida reflectivos, tradicionalistas ou «românticos» eram uma característica generalizada e permanente da cultura social ocidental que não havia que lamentar — e os teóricos começaram a preocupar-se pelo facto de Mill e
Kant não acolherem essas (valiosas) formas de vida. Continuando a história:
* Brown University.
341
John Tomasi
foi então que, talvez em meados da década de 80, Rawls e outros (nomeadamente