TB analise textual
RUBEM ALVES
As duas caixas
FERNANDO Pessoa escrevia, lia o que escrevera e se assombrava. "Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto? Isto é melhor do que eu..."
Coisa parecida acontece comigo. Alguém me mostra um texto e diz que fui eu quem o escreveu. Leio-o, mas não o reconheço. É como se tivesse sido escrito por uma outra pessoa.
Mas, à medida em que vou lendo, vou ficando alegre. É um texto bom, melhor do que eu!
Faço então as mesmas perguntas que fazia Fernando Pessoa ao ler o texto que acabara de escrever. Sinto, então, vontade de publicar aquele texto de novo. Se ele surpreendeu a mim, é de se esperar que o mesmo aconteça com os leitores. E por que não?
Sei que Freud achava que a compulsão à repetição é um sintoma neurótico. Mas essa não é toda a verdade. Digo que o desejo da repetição pode ser a reação da alma diante da beleza.
Quero ouvir de novo a "Valsinha", quero ver de novo as telas de Carl Larsson, quero comer de novo um frango com quiabo mineiro, quero ver de novo os ipês floridos...
Eu gostaria de publicar inteiros dois artigos que escrevi faz muito tempo. Eu os reli e gostei.
Para que meus leitores saibam o que penso da educação. Como não posso publicá-los inteiros, vou publicar o essencial. E foi isso que escrevi:
"Explicações conceituais são difíceis de se aprender e fáceis de se esquecer. Por isso, caminho sempre pelo caminho dos poetas, que é o caminho das imagens. Em vez de explicar por meio de conceitos abstratos, vou mostrar o que digo por meio de imagens. Quem aprender as imagens terá aprendido o essencial da minha filosofia de educação."
"O corpo carrega duas caixas. Na mão direita, mão da destreza e do poder, ele leva uma caixa de ferramentas. E na mão esquerda, mão do coração e do prazer, ele leva uma caixa de brinquedos." "Os animais não precisam de ferramentas. Seus corpos são as ferramentas de que necessitam para viver. Diferentes dos animais, nossos corpos