Suposto Interl dio

Suposto Interlúdio
R+A
25/07/14

Era a última viagem do metrô no dia. Achei que, com menos olhos ao redor, a mala estaria mais segura. Não que chamasse muita atenção: era só uma mala de nylon comum, cinza, com um fecho eclair trancado à argola lateral por um cadeado daqueles de diários infantis.
Não era muita coisa no que tange segurança, sabe? Mas era melhor assim. Pelo menos na minha cabeça era melhor assim. Não sou uma pessoa conhecida por tomar decisões lógicas e acertadas. Aliás, tomar decisões, por si só, já era algo complicado o suficiente pra mim.
Havia escolhido o segundo vagão pra evitar gente. Nem nas pontas, nem no meio: não, nesses sempre tem alguém que desce da escada da plataforma e entra direto. E a essa hora a chance de serem adolescentes bêbados voltando pra casa era alta. Melhor evitar. Adolescentes são mundialmente conhecidos por ações estúpidas e inconsequentes, e a última coisa que eu precisava agora era que algo estúpido e inconsequente acontecesse. Quer dizer, algo além dessa situação toda. Era uma simples viagem de metrô, nada errado nisso. Nada suspeito ou fora de lugar.
Eu era só alguém indo do ponto A ao ponto B. Bom, no caso, do ponto A ao ponto F, considerando as paradas em estações até lá. O trem havia acabado de passar pelo ponto C. Tudo de acordo com o plano. Isto é, se eu tivesse um plano. Seria excelente como pianista de jazz, se saber improvisar fosse o único requisito. Mas não era simples assim. Nada é simples assim.
Ponto D.
Um sinal sonoro soou. As portas abriram.
A estação estava completamente deserta. Uma lâmpada piscava. Uma folha de jornal entrou empurrada pelo vento e se chocou contra meu joelho.

Um sinal sonoro soou. Notei uma queimadura de cigarro no jornal. As portas começaram a fechar. Ouvi algo parecido com o solo de bateria de uma banda cover de Ramones.
Um braço impediu que as portas se fechassem. As portas abriram.
Atrás do braço, uma pessoa inteira. Cabeça, tronco e membros