Suneca a tranquilidade da alma
14891 palavras
60 páginas
Serenoa
Seneca 1
I
— 1. Observando-me atentamente, descobri em mim, ó Sêneca, certos defeitos tão visíveis que eu os poderia tocar com o dedo; outros que se dissimulam nas regiões mais profundas; outros, enfim, que não são contínuos, mas que reaparecem somente a intervalos. Eu não hesito em dizer que estes últimos são os mais desagradáveis de todos. Eles lembram aqueles inimigos que nos rodeiam para nos assaltar no momento propício e com os quais não se sabe nunca se se deve estar em pé de guerra, ou se se pode contar em um período de paz.
2. No entanto, a disposição na qual eu me surpreendo o mais freqüentemente (pois, por que não me confessarei a ti, como a um médico?) é de não estar nem francamente liberto de minhas crenças e repugnâncias de outrora, nem novamente sob seu domínio. Se o estado no qual estou não é o pior que possa existir, é, em todo caso, o mais lamentável e o mais bizarro: não estou nem doente nem são.
3. Não me digas que todas as virtudes são fracas nos seus inícios e que com o tempo elas tomam consistência e força. Também não ignoro que todos os benefícios que visam ao exterior, como o brilho de uma dignidade, a glória da eloqüência e todos aqueles que dependem do favor público, têm necessidade de duração para crescerem: as virtudes precisam de tempo para amadu recer, e as qualidades que nos permitem seduzir graças a um simples verniz esperam que o correr dos anos lhes acentue gradualmente as cores. Mas temo que o hábito que fortalece todas as coisas possa consolidar em mim esta fraqueza: tanto no mal como no bem, um contato prolongado nos faz tomar o gosto.
4. Em que consiste esta enfermidade de uma alma irresoluta, que não se inclina deliberada mente nem à virtude nem ao vício? Eu não saberei dizê-lo numa palavra, mas posso explicá-lo pormenorizadamente. Indicar-te-ei o que sinto: tu acharás o nome da doença.
5. Tenho um profundo amor à simplicidade, e o confesso: o que amo não é nenhum leito
faustosamente