Sobre o que eu queria
Queria ter nascido no circo, porque se eu tivesse nascido no circo nunca teria pensado em fugir com ele.
Se tivesse a sorte, meu nome já seria artístico antes mesmo do meu nascimento e meu sobrenome seria alguma coisa parecida com Ravonestch, Valikar ou Silva. Minha família seria de longa, longa tradição circense.
Mamãe seria uma mágica e Papai trapezista.
Eu teria crescido viajando de cidade em cidade, conhecendo gente nova e logo delas me despedindo. Daí a gente que ficava era só mesmo a do circo, mas seria suficiente.
Teria aprendido a respeitar a sagrada lona colorida ao ver vovó cuidá-la com tanto esmero, remendando o que precisava ser remendado, e então quando a noite chegasse suas cores gloriosas de lona estendidas sobre o céu estrelado, fariam com que eu me lembrasse que o grande espetáculo começa sempre com os remendos de vovó.
Enquanto continuasse crescendo entre os tecidos coloridos, a agitação da mudança e entre o tédio dos dias ociosos, cresceria nos amigos, em minha família o questionamento de qual carreira eu deveria seguir.
− A menina dos Valikar o que vai ser?
− Ah com certeza a menina Ravonestch deve seguir o caminho de seu avô!
− Acho que não! Aposto que a menina dos Silva vai ser...
E em minha família então, aí que a confusa estaria feita! Cada um defendendo sua escolha:
− É claro que ela tem meu porte, meu jeito, eu ensinaria tudo que fosse preciso para ela ser a melhor mágica da família. – diria mamãe.
− Mas que absurdo! A menina deve se apresentar no espetáculo como seu avô e antes dele, e antes, e antes... é tradição de família, alguém tem que continuar agora. – gritaria vovô.
Vovó só riria e papai tentaria me mostrar, todos os dias, como o trapézio é lindo. E era mesmo, lindo demais.
Quando o grande dia chegasse, quando fosse anunciar minha decisão estaria vestida com minha roupa mais brilhante, teria pedido para Dona Salors fazer minha maquiagem de palco e anunciaria:
− Vou ser uma mágica cuspidora