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Edição 90 > _história pessoal > Março de 2014
10/04/2015 17:59
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Sobre meu pai
Para mim foi impossível durante vinte anos nomear sua doença por SAULO SZINKARUK BARBOSA
Era um ritual que Roberto repetia com frequência. Vestia meias grossas, calças de lã, camiseta, camisa, pulôver de gola em V e sobretudo. Deitava-se sobre a colcha de chenile que cobria a cama feita. Cruzava as mãos sobre o peito e assim permanecia. Totalmente imóvel, não fossem os olhos a perscrutar ansiosos o teto do quarto, como quem tenta identificar com a visão o barulho que os ouvidos estão esperando. Quando sua mulher perguntava o que estava fazendo, a resposta vinha firme, com convicção: “Estou pronto para a guerra.”
E não adiantava ela lhe dizer que não havia guerra nenhuma, ou que era verão e tanta roupa só podia fazer mal. Porque Roberto Oliveira Barbosa, meu pai, era esquizofrênico.
Hoje, dizer isso assim, com todas as letras, é até fácil. Mas durante os primeiros vinte anos da minha vida foi impossível. Em parte porque, embora desde cedo tivessem me dito que meu pai era doente e que eu precisava entender, ninguém nunca me contou o que ele tinha, nem se algum dia se curaria.
Não que minha família fosse relapsa comigo ou com meu irmão mais novo, ignorando as consequências que a esquizofrenia do nosso pai poderia nos causar. Apenas foi o jeito que minha mãe e meus avós paternos encontraram para lidar com a situação. Um padrão de comportamento que desde cedo aprendi a replicar, e que de certo modo explica por que demorei tanto para encarar os fatos: a gente ia levando, tentando deixar tudo o mais normal possível, contornando as crises da doença com paciência, silenciando e baixando os