Selvagens, exóticos, demoníacos. idéias e imagens sobre uma gente de cor preta
Introdução
Hannah Arendt (1998) ao discutir o caráter das ideologias considera que elas têm uma enorme força de persuasão não por serem fundamentadas cientificamente, mas por corresponderem exatamente às expectativas ou desejos, à necessidades imediatas que, ao final, vão buscar nas ciências e nos cientistas as doutrinas que as possam justificar. É fundamental considerar que essas necessidades e desejos também são construídos historicamente, filosoficamente. Ora, o racismo é uma ideologia e, como tal, também foi concebido como uma estratégia de poder em acordo com as expectativas de parte de uma determinada sociedade.
Entretanto, em vez de discutir o tema somente no campo da política e da filosofia, proponho um percurso que permita investigar o imaginário e alógico que se expressa, verbaliza e se deixa visualizar na construção de uma estética, de um olhar sobre o negro e sobre a África.
É importante ressaltar que há uma imagem do negro e da África forjada pelo olhar europeu que foi elaborada e reinterpretada através das épocas. O que pretendo é descobrir aquilo que permitiu que fossem dispostas antes mesmo que o discurso sobre as raças ganhasse forma, e verificar o peso e influência deste imaginário sobre uma ideologia racista alicerçada na sobreposição de valores estéticos (ou a relação que se estabelece com a cor preta ou com o corpo negro) e a definição ontológica do ser negro. Uma Cor Assustadora
O imaginário europeu, durante toda a Idade Média até os séculos das Luzes, foi constituído pela existência de seres fantásticos que lhes geravam simultaneamente medo e fascínio. Raças monstruosas, homens com um pé só ou com orelhas enormes, gigantes, seres com o rosto no meio do peito, ocupavam lugar nas descrições da África e Ásia desde a Antigüidade, e figuravam na cosmografia renascentista. Ainda em 1660, em uma gravura de Mazot representando a