sei lá
Os pedestres que passam apressados pela praça da Sé não percebem quando dois dos moleques que fumam ao lado do chafariz saem andando rápido atrás de uma bolsa dando sopa, não reparam no sujeito bem-vestido que se agacha ao lado de um mocó feito de cobertores velhos para dar uns pegas num baseado, desviam dos catadores de papelão que dormem sob as carroças toscas, não atendem aos pedintes nem vêem os desabrigados anestesiados e embriagados de cachaça. Não param para ler a mão nas ciganas de roupas coloridas, dentes de ouro e olhar malicioso, nem dão atenção aos vendedores ambulantes que oferecem todo o tipo de badulaques a preços promocionais. Não ouvem as pregações amplificadas do pastor evangélico que se misturam aos milagres curativos da pomada de banha de peixe-elétrico. Não percebem que a praça é uma festa.
Uma festa em que as atrações centrais acontecem ao redor de um pequeno totem, o marco zero de São Paulo, bem em frente à catedral de agudas e esverdeadas torres góticas. Ali, enquanto subempregados desfilam com cartazes de compra e venda de ouro ou de atestados médicos, não-empregados se deixam ficar ao sol, à espera de que algum serviço, qualquer um, lhes venha cair no colo. É ali também que rodas de pedestres menos apressados e mais curiosos formam-se em volta dos performáticos do dia.
Uma mão morta de plástico se mexe com um cigarro aceso entre os dedos enquanto Baiano, um mulato forte, de camisa regata e calça de cetim brilhante, destrói a marretadas o relógio de um dos espectadores.
Enquanto o sujeito sorri sem graça, esperando que seu relógio reapareça, Baiano abre uma pequena lata redonda e, com a unha crescida do polegar, pega uma porção da pasta verde-amarelada. Passa um pouco na nuca, em seguida esfrega as mãos, passa mais um pouco na região lombar e se estica, depois se dobra e segura os tornozelos com as mãos. Torna a pôr as costas eretas, dá um pulo e se deixa cair no chão de pernas abertas como um compasso quebrado.