O texto de Luiz Mott desenvolve, por meio de documentos situados na Torre do Tombo referentes à capitania do Piauí, uma narrativa sobre o cotidiano religioso no sertão piauiense e, mais especificamente, sobre os rituais relativos ao “Congresso do Diabo”, protagonizado por um diversificado grupo de mulheres. A princípio, o autor busca nos situar no cenário do Piauí colonial, que foi uma capitania tardiamente colonizada, extremamente pobre e povoada na sua grande maioria por “degradados”. Ele também trata de nos trazer informações a respeito do cotidiano religioso da Mocha, que era centrado em suas duas igrejas, e sobre as visitas missionárias e pastorais de sacerdotes que circulavam por essa região, sem as quais não teríamos conhecimento das práticas religiosas realizadas pelas escravas Joana Pereira de Abreu e Josefa Linda e pela índia Custódia de Abreu. A narrativa se centra na confissão dessas três mulheres que, auxiliadas pelo Padre Missionário da Companhia de Jesus Manuel da Silva, descrevem detalhadamente os rituais referentes ao “Comércio com o Diabo” que era realizado a noite, em especial nas vésperas do São João, e que só terminava ao surgirem os primeiros raios de sol. Esses ritos lhes foram ensinados pela mestiça Cecília Rodrigues e em muito se assemelhavam aos Sabás ibéricos, mas o que não se sabe é como a “Mestra Cecília”, assim chamada por suas aprendizes, tomou posse de tais conhecimentos e nem o porquê desse ritual vir a ocorrer no sertão do Piauí. É fato que a descoberta desses relatos só vem a confirmar a abrangência e a flexibilidade do sincretismo religioso na América portuguesa. Mas o que me perturba um pouco em relação ao ensaio desenvolvido a partir deles é que em nenhum momento o autor vem a questionar uma possível parcialidade da parte do Padre Manuel da Silva ao escrever as confissões dessas três mulheres, duas escravas e uma índia, que não sabiam ler e que tampouco usariam certas expressões, algumas explicitamente