Rá ié ié
Como os lendários irmãos Remo e Rômulo, Kamala e Amala de Midnapore também foram criadas por lobos – o tipo de bicho que mais acolhe humano. Em 1920, o reverendo Joseph Singh viajava numa missão espiritual pela Índia quando soube da lenda de duas meninas que viviam com uma matilha daqueles animais. Intrigado, partiu atrás delas. Ao encontrá-las, ficou impressionado: ambas andavam de quatro e, antes de sair da caverna em que se escondiam, colocavam só a cabeça para fora e olhavam desconfiadas para os lados. Capturadas, foram encaminhadas ao orfanato da cidade indiana de Midnapore. O reverendo Singh, que as criou junto com sua mulher, era o diretor da instituição.
Kamala tinha cerca de 8 anos e Amala, apenas 1 ano e meio. Carnívoras, bebiam água lambendo e tinham horror à luz. Passavam o dia todo arredias, mas à noite uivavam e grunhiam. A menor sobreviveu dez meses longe dos bosques e morreu, um ano depois, de nefrite (inflamação nos rins). Foi quando Kamala chorou pela primeira vez desde que chegara ao orfanato. “Ela teria chorado se Amala tivesse morrido na selva? Ou será que, no tempo em que conviveu com humanos, a menina aprendeu a chorar?”, questiona a professora Luci. “São perguntas sem resposta. Mas Kamala pode, sim, ter aprendido. O choro e o riso não são apenas reflexos do ser humano. São construídos socialmente.”
A menina mais velha ainda viveu por nove anos. Na época em que morreu, com a mesma doença da irmã, Kamala era uma adolescente de cerca de 17 anos. Havia passado a andar ereta e adquiriu um vocabulário de 50 palavras. Chamava a senhora Singh de “mamá” e chorava com sua ausência. Conversava com todos, inclusive com os médicos. Sua evolução, conseguida com os cuidados do casal Singh, levou o sociólogo francês Lucien Malson, autor de As Crianças Selvagens, a concluir que Kamala não tinha nascido com problemas mentais. “Pelo contrário, a comparação entre seu nível mental aos 8 anos e o que chegou a demonstrar mais adiante