Rumo ao Estado Moderno
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A maioria dos conflitos de legitimidade, portanto, pode ocorrer sem necessidade de recurso a uma teoria ascendente pura, que faça do povo a fonte absoluta do poder. É mais funcional, ideologicamente, contestar as pretensões do Papado sem negar a noção de Deus como fonte original do poder. No fundo, a grande questão era identificar o intermediário, o comissário do Senhor.
Os grandes confrontos políticos entre papas, imperadores e reis diziam respeito não só à definição de áreas de influência e à divisão de funções, como também ao poder de legislar. Durante a maior parte da Idade Média, a fonte da lei não foi objeto de discussão. Deus é o legislador, o Papa é seu representante e ao poder temporal nada resta além de conduzir os assuntos humanos de acordo com as normas divinas. De certo modo, a lei era um dado.
Mais precisamente: as grandes linhas da legislação apareciam como dadas, mas o Papa resolve as questões emergentes de acordo com critérios pragmáticos e dentro do horizonte dos interesses imediatos.
Enquanto esse ponto de vista prevaleceu, não houve conflito sobre as fontes das normas e, portanto, de jurisdição. Ressalve-se: esta é uma descrição sumária. Disputas de jurisdição existiram desde o início da Igreja e dentro da própria Igreja.
O triunfo de Roma sobre a Igreja do Oriente foi o primeiro exemplo. Mas a amplitude e a importância dos confrontos a partir do século XI foram imensamente maiores, porque o cenário não era o mesmo (a Europa estabilizara-se), havia novos atores em cena (poderes regionais em busca de consolidação) e os valores em disputa eram diferentes.
Os novos conflitos, principalmente a partir da questão das investiduras, deram origem a uma extensa literatura jurídica, política e artística. O apogeu desse movimento ocorreu nos séculos XIII e XIV. Grande parte da produção, talvez a mais conhecida, trata do debate dos poderes do Papado e do Império. Curiosamente, alguns dos textos mais notáveis apareceram