Mas há comida e comidas. Falamos que “mulher oferecida não é comida”, num trocadilho chulo, mas revelador da associação, intrigante para estrangeiros, entre o ato sexual e o ato de ingerir alimentos. Entre a mulher da rua, a prostituta, ou a mulher que controla e é dona de sua capacidade de sedução e sexualidade, e certos tipos de alimento. Assim, a mulher que põe à disposição do grupo (da família) seus serviços domésticos, seus favores sexuais e sua capacidade reprodutiva torna-se a fonte de virtude que, na sociedade brasileira, se define de modo pastoral e santificado. É a virgem, a esposa e a mãe que reside nas casas e que jamais é comida ou poderá virar comida: presa fácil de homens que se definem como sexualmente vorazes. Ou melhor, tais mulheres podem ser comidas, mas primeiro são transformadas em noivas e esposas. O bolo do casamento e o banquete que segue a cerimônia podem muito bem ser vistos como um símbolo dessa “comida” que será a noiva, algo elaborado e, sobretudo, socialmente aprovado pelos homens do seu grupo. Ora, a mulher da rua, essa que é a comida de todos, é algo muito diferente, conforme já assinalei acima. Em contraste com a mãe, a virgem e a boa esposa, ela surge como aquela mulher que literalmente causar indigestão nos homens, provocando a sua perturbação moral. Dessas mulheres deve-se fugir — diz a moral brasileira tradicional — mas sem elas, reza paradoxalmente essa mesma ética, o mundo seria insosso como uma comida sem sal. As mulheres da vida, na nobre metáfora brasileira, estão para as mulheres da morte assim como as comidas fáceis e potencialmente indigestas, mas deliciosas na sua ingestão escondida e apaixonada, estariam para as comidas caseiras que eventualmente podem perder a capacidade de deleitar, servindo tão somente para alimentar...
O fato é que as comidas se associam à sexualidade, de tal modo que o ato sexual pode ser traduzido como um ato de “comer”, abarcar, englobar, ingerir ou circunscrever totalmente aquilo que é (ou