resumo
O Diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial/ Laura de Mello e Souza/ SP companhia de letras 2009.
Religiosidade popular na Colônia
A organização do catolicismo no Brasil colonial fora forjada pelos jesuítas, incentivado e sustentado pelo sistema do Padroado. Com esse beneplácito papal para os reinos ibéricos desde antes do descobrimento, o catolicismo colonial revestira de poder religioso as autoridades reinóis nos trópicos, numa proveitosa interseção para ambos os lados: a Inquisição assumia ares de polícia quase política na privacidade popular e o governo da colônia decidia os caminhos da Sé escolhendo e dirigindo os padres e suas paróquias. Com a atuação dos capelães de engenho ao lado dos senhores, Gilberto Freyre descuidou-se do papel do estado e enfatizou o das famílias no processo da colonização, denominando como “catolicismo de família”, ou seja, 'o capelão subordinado ao pater familiæs'. Assim, a religiosidade subordinar-se-ia à força aglutinadora e organizatória dos engenhos de açúcar, integrando o triângulo da Casa Grande-Senzala-Capela. O familismo explicaria, segundo o autor, a acentuada afetividade e maior intimidade com a simbologia católica; porém, o mesmo relegaria as manifestações indígenas à mata fechada e as africanas à insalubridade da senzala. Ao descaso do Concílio de Trento no primeiro século de existência, é com o referido familismo que Freyre preenche esse vácuo religioso na Terra de Santa Cruz, pois o Concílio não legara qualquer dos seus triunfos na cristandade católica da Europa meridional (Península Ibérica e Península Itálica) no universo ultramarino. Mesmo na Europa, a uniformidade tridentina demorara em se estabelecer; somente no século XVIII é que os bispos setecentistas “descobriram um povo rural que frequentemente não conhecia os elementos básicos do cristianismo”. Keith Thomas chamava isso de “religiosidade inortodoxa”. Havia um