resumo socioeconomico
Estocado em PENSE COMIGO • POLÍTICA
De que modo a crença na justiça inerente do sistema garante, em cada sistema, que a justiça nunca chegue a se estabelecer
Não encontrei nome melhor, por isso resolvi chamá-los de discursos de dis¬tri¬bui¬ção auto¬má¬tica de justiça. Um discurso, no sentido em que estou usando a palavra, é uma ideia (nem sempre cons¬ci¬ente e nem sempre arti¬cu¬lada com palavras) que tempera e justifica as nossas con¬vic¬ções e posturas. Eu poderia dizer com a mesma faci¬li¬dade “fé na dis¬tri¬bui¬ção auto¬má¬tica de justiça”. Cada cultura tem a sua, e cada cultura é ao mesmo tempo mantida e seques¬trada por ela.
Falo da con¬for¬tá¬vel crença de que no mundo as coisas funcionam de tal modo que, sem a inter¬ven¬ção de ninguém, espe¬ci¬al¬mente sem a minha, as eventuais injus¬ti¬ças que oprimem as outras pessoas se cor¬ri¬gi¬rão por si mesmas. A minha fé na dis¬tri¬bui¬ção auto¬má¬tica de justiça me faz encarar como coisa justa ou tem¬po¬rá¬ria todas as desi¬gual¬da-des com que me deparo. Como promete uma dis¬tri¬bui¬ção auto¬má¬tica, a função pri¬mor¬dial do discurso é me isentar. Ele me faz acreditar que as injus¬ti¬ças que enxergo ou são aparentes ou não são de minha res¬pon¬sa¬bi¬li¬dade. O próprio sistema, com o tempo, se encar¬re¬gará de corrigir as incon-for¬mi¬da¬des que houver.
Desse modo, por exemplo, pre¬va¬le¬ceu ao longo das eras da cris¬tan¬dade um claro e útil fatalismo diante das desi¬gual¬da-des sociais. Por dois milênios os pri¬vi¬lé¬gios estiveram em grande parte reser¬va¬dos para homens nobres, ricos e de pele clara. Pobres, tra¬ba¬lha¬do¬res, selvagens, negros, mestiços, orientais, mal¬nas¬ci¬dos e mulheres de todos os estratos sociais tinham de enfrentar, na melhor das hipóteses, exclusão e pre¬con¬ceito – que com frequên¬cia res-va¬la¬vam em opressão, violência e servidão.
As pessoas não eram menos espertas do que nossos dias, e talvez não fossem menos