RESSEMANTIZAR
Primeiro paradigma: Remanescentes. É significativo que o termo “remanescentes” escolhido pelos legisladores na formulação do “artigo 68” tenha sido o mesmo para descrever a situação das comunidades indígenas do Nordeste. No processo de emergência dos índios do Nordeste, o emprego do termo “remanescentes” respondeu, antes de mais nada, à necessidade de torná-los nomeáveis, adjetivando-os para que se fizessem visíveis e aceitáveis. A pergunta que parece ter se imposto aos que realizavam a mediação entre aquelas populações, o órgão indigenista e os “direitos” é, afinal, designar grupos de caboclos que se supunha terem ancestrais indígenas aldeados, sem incorrer na imprecisão, dificilmente aceita à primeira vista (não só na década de 1930, mas ainda hoje), de simplesmente designá-los por índios, já que eles “não possuíam mais”, como explicitou um daqueles mediadores, os “sinais externos” reconhecidos pela “ciência etnológica”(ARRUTI, 1996).
Nesse contexto, referir-se aos grupos do Nordeste como descendentes indígenas parece não ter se adequado perfeitamente, já que, em uso comum, a “descendência” pode estar referida a um lugar de origem (região ou nação), a uma raça, a uma religião ou uma etnia, sem que isso implique que o sujeito seja efetivamente membro da categoria, grupo, lugar ou religião a que a descendência faz referência. A fórmula “remanescentes” funciona como a solução classificatória por meio da qual se admite a presencialidade do estado de índio naqueles grupos, sem deixar de reconhecer neles uma queda com relação ao modelo original: os remanescentes são uma espécie de índios caídos do nosso céu de mitos nacionais e acadêmico, “sobras”, “restos”, “sobejos”(MIRADOR, 1980). Neles se reconhecem profundas e, talvez irremediáveis, perdas culturais, sem que, no entanto, seja negado seu direito ao estatuto legal. Uma solução classificatória sustentada por uma