Resenha réquiem para um sonho

Escrevo-lhe por sua própria culpa: seu texto sobre o filme de Aronofsky me instigou a tanto. Isso porque o texto é bom - um bom texto é um texto que nos faz pensar, concordemos ou não com ele. E se eu lhe escrevo sobre o texto, você pode suspeitar, desde já, que há nele algo com que não concordo, embora concorde com muitas coisas. Enfim: nada como uma leve e divertida polêmica, especialmente quando se trata de uma obra do calibre de Réquiem para um sonho. Todo clássico cria, ao redor de si, um enxame de discursos e de opiniões, o que só atesta a inegável qualidade da obra: a sua capacidade de engendrar tantas interpretações quanto são as pessoas que tomam contato com ela. Mas vamos aos fatos.

Ao comentar o filme de Aronofsky você o enquadra em uma categoria que, pelo que entendi, você criou, e que parece muito adequada: a categoria de épico moderno. Neste tipo de narativa, o ambiente escolhido é aquele de um submundo marginal bastante estrito e específico; dentro deste ambiente, os personagens são levados através de uma jornada de ascensão e queda trágica. A ambientação social da trama, assim como o pessimismo intríseco à narrativa, são os sinais da falência da sociedade da qual estes personagens fazem parte; notadamente, da sociedade norte-americana. Estas são as linhas gerais daquilo que você define como épico moderno, se bem entendi; e este é, também, o foco principal da minha crítica ao seu texto.

Quando você usa o termo épico, isso me faz pensar em uma história que assume uma dimensão universal. Assim, a tragédia de Boogie Nights não é apenas a tragédia pessoal das pessoas envolvidas na produção de pornografia nos anos setenta: é a tragédia de uma sociedade inteira, que se manifesta dentro daquele submundo característico. Os Bons Companheiros narra a tragédia de um grupo de ítalo-americanos envolvidos em atividades ilegais; mais que isso, porém, o filme narra a tragédia de uma sociedade segmentada em grupos definidos pela raça e por relações violentas