resenha do filme antes da chuva
Cinema hipertextual
Raquel Wandelli
Mestre em Teoria Literária
Em desafio às previsões apocalípticas sobre o fim da história, a narrativa como gênero romanesco vira o século reiventando-se, mostrando sua capacidade incomum de se recriar.
Fôlego que surpreende sobretudo no cinema, onde vanguardas se sucederam na segunda metade do último século apregoando a exaustão da narrativa, ensaiando desvincular o mostrar do contar em favor da poesia, do surrealismo, do non-sense absoluto ou do puro exercício do virtual. Investidas arquiteturais em vez de derrotar a história revigoram-na, fazendo valer a tese de que a narrativa é modo essencial pelo qual os seres humanos ingressam na cultura, dão sentido a suas vidas e apreendem o mundo.
Formas rizomáticas, fragmentadas, estreladas e recirculares refutam a identificação do cinema com histórias retilíneas e
Anuário de Literatura 7, 1999, p. 13-35.
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Cinema Hipertextual
suscitam a participação do espectador na sua estrutura. Histórias que se erguem sobre estruturas-teias modificadas pela era da informação parecem responder à dificuldade artística de apresentar a experiência humana em ordem sucessiva e hierárquica. Cenas e personagens correm paralelamente, articulando aporias como o fragmento e a rede ou o segmento e a teia. A um só tempo reforçam a desordem e o associativismo, a autonomia da parte e a interconectividade do todo.
A Última Tempestade (94) e O Livro de Cabeceira (95), ambos do cineasta multimeios Peter Greenaway, A Estrada Perdida (96), de David Lynch, Pulp Fiction (94), de Quentin
Tarantino, Antes da Chuva (94), de Milcho Manchevski...
Narrativas hipertextuais contemporâneas desenvolvidas em meio tradicional (película) colocam em funcionamento uma forma de (des) organização caracterizada pela interatividade, descentramento, fragmentação, simultaneidade, anti ou multilinearidade. Princípios comumente associados ao conceito