Resenha do conto "O Morto" de Vergílio Ferreira
Vergílio Ferreira. Alberto Vicente Silva. Texto apresentado em 2002 para o curso de Letras Vernáculas.
Massaud Moisés nos diz que “Vergílio Ferreira não é, na essência de sua visão de mundo, um contista. O seu gosto do abstrato e do catastrófico pede mais amplos horizontes. Não obstante, os contos servem como exemplário dos seus invulgares recursos de ficcionista, e alertam-nos para o que devemos esperar dele: não episódios, mas a recriação de dramas interiores, tensões metafísicas. Não tem nada de mero contador de histórias...”
(1975 p. 329-330).
Entretanto, não é esse o traçado do desenho de “O morto”. Apesar de toda a carga de seriedade que esse conto possa ter (e tem), inevitável se torna não notar nele laivos sensíveis de um acurado senso de humor, aliado a um jeito “cronístico” de escrita. Sob esse prisma, somos forçados a negar parte do que afirma o nosso conceituado crítico: o que está sendo narrado em “O morto” pode ser qualificado como um simples episódio, sem dramas interiores ou tensões metafísicas. Eis um conto que, se não contássemos com informações paratextuais, certamente duvidaria de ter advindo da pena de Vergílio Ferreira, um autor cujo forte não é o humor, a ironia – pelo menos é o que se depreende da leitura dos seus críticos. Contos como “O morto” e “A galinha” são exemplos de um existente senso do irônico, do grotesco e comprovam que Vergílio soube ser, não um “mero”, mas um “contador de histórias”. Histórias exemplares, em que nada é por acaso!...
“O morto” narra as peripécias desfraldadas durante o enterro de um certo senhor Calado Esteves. O velório ocorre em meio a homenagens póstumas ao morto, vindas de grupos militantes de esquerda que o conheceram muito bem, a tal ponto de entoarem um lema de saudação, que é uma velha frase estereotipada:
- “Glória aos que tombam na luta pelas classes trabalhadoras!” (p. 193).
Todos usavam na cerimônia bandeiras