Regis Debray - Vida e Morte da imagem , Uma Historia do olhar no Ocidente
A fonte não é a essência, e o devir é importante. Mas qualquer coisa obscura esclarece-se através de seus arcaísmos. Do substantivo arché que significa, ao mesmo tempo, razão de ser e começo.
Quem recua no tempo, avança no conhecimento.
É uma banalidade verificar que a arte nasce funerária, e renasce apenas morre, sob o aguilhão da morte. As honras fúnebres relançam, consoante o lugar, a imaginação plástica, as sepulturas dos grandes foram nossos primeiros museus e os próprios defuntos nossos primeiros colecionadores. Com efeito, esses tesouros de armas e de baixela, vasos, diademas, caixinhas em ouro, bustos de mármore, móveis de madeira preciosa, não se destinavam a serem vistos pelos vivos. Não eram amontoados no fundo das construções sepulcrais, pirâmides ou valas para embelezar, mas sim para prestar serviço.
Do mesmo modo que as sepulturas foram os museus das civilizações sem museus, assim também nossos museus são, talvez, os túmulos característicos das civilizações que já não sabem edificar túmulos. Será que já não têm o fasto arquitetural, o prestígio, a proteção vigilante, o isolamento ritual no espaço cívico? Mas no Egito, em Micenas ou Corinto, as imagens postas a salvo deveriam ajudar os defuntos a prosseguirem suas atividades normais, ao passo que nós devemos interromper as nossas para visitar nossos mausoléus. Interrupção tardia da preocupação bem prática de sobreviver que viemos a batizar com o nome de Estética.
U_ma religião fundada sobre 0 culto dos antepassados exigia que eles sobrevivessem pela.. im~m. Em primeiro lugar, fantasma; em seguida, figura. S~rá que s_e preten· de ver aí um lúgubre assombramento da v1da lummosa da
Hélade? Voltemo-nos, entào, para os gregos, essa cultura do sol apaixonada pela vida e pela visão a ponto de conf~ndi-las: para um antigo grego, viver não é r~~ar, em o para no~ mas ver; e morrer é perder a