Regime de historicidade
Introdução
A biografia voltou a ocupar um lugar de proa na historiografia contemporânea. Prova disso é que, a partir de meados dos anos 80, alguns dos mais renomados historiadores da atualidade consagraram trabalhos ao estudo de trajetórias individuais.2 Sintoma da crise dos grandes paradigmas explicativos? Manifestação acadêmica do individualismo que marca a nossa época? Concessão ao gosto popular por fofocas e mexericos? Muitas são as tentativas de explicar o “retorno” e o sucesso do gênero, mas é difícil negar a sua importância na reflexão atual sobre o conhecimento histórico. O presente artigo não busca, obviamente, dar conta de toda a complexa gama de questões suscitada pela biografia histórica, mas apenas situar e analisar algumas delas. Em primeiro lugar, pretende-se rastrear a trajetória desse gênero a partir da noção de regimes de historicidade, a fim de mostrar
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Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS; e-mail: bbissos@yahoo.com
MÉTIS: história & cultura – SCHMIDT, Benito B. – p. 57-72
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que certas questões e problemas a ele relacionados já possuem uma longa tradição de estudos e debates; a seguir, tenta-se mapear algumas controvérsias que cercam as biografias, propondo alternativas para superá-las.
Encontros e desencontros entre história e biografia
Em seu sentido lato, de escrito que tem por objeto a história de uma vida particular, a biografia está ligada ao próprio surgimento da história como forma de conhecimento do mundo. Para examinar a trajetória das relações entre história e biografia, valho-me da noção de regimes de historicidade, na forma como é proposta por François Hartog (1997, p. 8), ou seja,
[...] como uma formulação sábia da experiência do tempo que, em retorno, modela nossos modos de dizer e de viver nosso próprio tempo. Um regime de historicidade abre e circunscreve um espaço de trabalho e de pensamento. Ele ritma a escritura