Refugiados e a nova ordem internacional
Michel Agier
Tradução de Paulo Neves
Uma mão que fere, a outra que socorre. Em outubro de 2001, no Afeganistão, e depois em abril de 2003, no Iraque, os Estados Unidos forneceram o espetáculo, em todas as telas do planeta, de uma visão extremamente maniqueísta e, no entanto, exata do que é hoje sua concepção de associação entre a guerra e o humanitário.
O acontecimento global da intervenção americana no Afeganistão, apresentada como resposta aos atentados de 11 de setembro de 2001, mostrou a perfeita simultaneidade entre uma ofensiva guerreira que então se pretendia a mais rápida, circunscrita e eficaz possível, mas que na prática revelou-se longa e bem menos “limpa” que o que fora anunciado, e uma intervenção humanitária que deveria vir em auxílio às populações civis direta ou indiretamente atingidas pela ofensiva: víveres e medicamentos lançados sobre as zonas bombardeadas, mas também abertura, no Paquistão, de mais de 75 novos sítios do ACNUR1 ao longo da fronteira, mobilização urgente de mil agentes do ACNUR, construção de dezenas de campos onde abrigar os refugiados afegãos, fornecimento de 80 mil tendas, milhares de cobertores etc.
Mas o Paquistão, que já acolhera mais de 2 milhões de exilados afegãos, fechou suas fronteiras, dando a entender que não poderia mais recebê-los – atitude hoje cada vez mais adotada pelos países, seguindo o exemplo, na época, do Irã, outro país vizinho ao Afeganistão. Esses interesses opostos acabaram por tornar a situação ainda mais dramática, fazendo com que os
* Alguns trechos deste texto foram inicialmente publicados sob o título “La main gauche de l’Empire” na revista
Multitudes, 11: 67-77, inverno 2003 (http:// multitudes.samizdat.net/ La-main-gauche-de-lEmpire.html).
1.Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
Refugiados diante da nova ordem mundial, pp. 197-215
civis oscilassem, de um lado e de outro da fronteira, entre os