Reflexões Vadias em Torno de Um Tema Comum: A Tristeza Nossa de Cada Dia

REFLEXÕES VADIAS EM TORNO DE UM TEMA COMUM: A TRISTEZA NOSSA DE CADA DIA

Não há como sonharmos através de Kafka. Com certeza nunca existiu o leitor que num momento secreto de bem-estar, de abandono a devaneios de felicidade, tenha se deliciado a evocar uma história, uma passagem ou uma personagem kafkiana. Jamais nos lembramos de Kafka com ternura ou alguma alegria. Não existe o amor nessa ficção – nenhum amor que escolheríamos viver. [...] É uma literatura que não acolhe nossas ilusões de pacificação entre a intimidade e o resto do mundo.

Modesto Carone, in Kafka, Franz - Narrativas do Espólio.

Muito mais um veredicto do que uma mera especulação, o tradutor das obras de Kafka do original alemão para o português – Modesto Carone – nos coloca, com sua frase lapidar, num mundo novo e assustador, repleto de paroxismos e construções de linguagem envoltas por enredos fantásticos e inverossímeis, mais próximos de uma perigosa loucura exasperante do que de uma obra-prima da literatura universal. Falar de Kafka é falar de cada um de nós em seus piores pesadelos, em nossas mais profundas fossas psíquicas – é, antes de tudo, falar da nossa tristeza de cada dia, da nossa cota indissociável de angústia e infelicidade, transbordando de uma passagem qualquer de um dos contos kafkianos para dentro dos nossos cansados corações. Certamente, não há saídas possíveis para os labirínticos esquemas lingüísticos que o escritor tcheco nos propõe, e somos sempre convidados a tomarmos um caminho sem volta, pois ao abrirmos suas páginas porejadas de uma frieza formal e seca, somos imediatamente tomados pela sensação de que o chão é subitamente retirado dos nossos pés, e que somos então tragados para dentro de nossos abismos íntimos. Falar de Kafka é, portanto, falar daquilo que nem sempre queremos ou estamos preparados para saber sobre nós mesmos, e sobre o mundo que nos rodeia. Deslumbrar-se com Kafka é, por conseguinte, render um brinde de regozijo à própria tristeza, à