Há muito a historiografia vê a Realeza Cristã como uma instituição puramente carolíngia, surgida com a unção real de 751. Deste ponto de vista, decorrem ao menos duas problemáticas: i) a idéia de superficialidade da cristianização da dinastia merovíngia; e ii) a valorização de uma suposta tradição originária ligada a um território, a Gália, a serviço de propósitos nacionalistas. "Grosso modo", as "escolas" "germanista" e "romanista" operaram nestes termos influenciando ainda estudos recentes.No entanto, os séculos VI e VII apresentam elementos contrários a esta generalização. A prática conciliar e a publicação de preceitos reais, no período de 561 à 633, evidenciam, na contramão do modelo de governo em vigor até então, uma utilitas publica de caráter paulatinamente cristão. Fenômeno, por outro lado, que se desenvolveu num ambiente mais amplo do que aquele concernente à Gália merovíngia. Foi neste momento também que a Espanha visigótica, eximindo-se da heresia ariana, abraçou o cristianismo de Nicéia por iniciativa da realeza.Assim, o presente projeto visa o estudo comparativo entre a realeza franca e a realeza visigoda com o objetivo de fixar os elementos edificadores de uma "Realeza Cristã", isto é, uma autoridade pública que liga à finalidade governamental o preceito cristão de salvação do reino. Para tanto, farei uso, tocante ao "Regnum Francorum", das atas conciliares de Lyon II (569-570), Mâcon I (581-583), Mâcon II (585) e Paris V (614), e dos editos reais de Gontrão (585) e Clotário II (614). As fontes visigodas são o III e o IV concílios de Toledo (589 e 633, nesta ordem). Complementam ainda este "corpus" documental as narrativas de Gregório de Tours ("Dez Livros de Histórias") e Isidoro de Sevilha ("Históriados Godos, Vândalos e Suevos" e "Etimologias") atentando como sua obras, contemporâneas do período demarcado, participaram das mudanças nas práticas sociais. (AU)