Quimera epistemológica e verdade sociológica
Quimera epistemológica e verdade sociológica
Alain Ehrenberg *
“Co mo nosso cérebro decide que um alguém é nosso amigo, nosso cônjuge, nosso filho, ou um estranho?”
Alain Berthoz, la Décision, 2003
“Às vezes temos a imp ressão de que a psicologia (universitária), em comparação a outras práticas que nós chamamos de ciências, nos diz menos do que já sabemos. Como se o que a diferenciasse da física, ou mesmo da economia, por exemp lo, não fosse a falta de precisão ou de capacidade de predição, mas o fato de não saber o usar o que já sabemos sobre os sujeitos que ela trata.”
Stanley Cavell, les Voix de la raison. Wittgenstein, le scepticisme, la moralité et la tragédie, 1979
Duas razões conduzem o sociólogo a se interessar pelas neurociências. Em primeiro lugar, as neurociências, as ciências cognitivas e, de modo mais geral, o naturalismo conhecem hoje uma difusão social inédita: as relações corpo-espírito-sociedade saíram das discussões entre especialistas para se tornarem um assunto de preocupação comum por intermédio do sofrimento psíquico e da saúde mental. Em seguida, a subjetividade, as emoções e os sentimentos morais são uma questão transversal à biologia, à filosofia e à sociologia e são um tema estratégico: encontraremos neles o segredo da sociabilidade humana 1 .
As concepções naturalistas começaram a impregnar a sociedade, e não somente a psiquiatria, a partir dos anos 1980, nos Estados Unidos, e dos anos 1990, na França. As neurociências contribuíram para mudar o estatuto do cérebro no sentido de que este não é mais considerado somente na sua dimensão médica, mas também adquiriu um valor social que não existia há pouco tempo atrás na vida cotidiana, na vida política e nas referências culturais – desde então, os jornais franceses dedicam um número especial anual às neurociências 2 , como o fazem há muito tempo com a psicanálise. Assim, o cérebro não é mais somente estudado tendo em vista as patologias mentais