Quem tem farelos
Narrativa de Camilo Castelo Branco publicada em 1865. Camilo é um escritor de quedas, ruínas econtaminações, mas para além disso, um escritor entre dois mundos. A Queda Dum Anjo traçaalegoricamente o percurso da contaminação do Portugal antigo por modas políticas, sociais, religiosas eculturais a partir do percurso de uma personagem.Calisto Elói, morgado de Agra de Freimas, vive emCaçarelhos em perfeita harmonia com a sua esposa, D. Teodora de Figueiroa. O seu conhecimento dosclássicos, aos quais dedicou toda a vida, enche-o de uma sabedoria moralista e conservadora que o faz sereleito deputado pelo círculo de Miranda. A sua presença em Lisboa e os seus discursos no Parlamentofazem sensação. A moral dos costumes antigos, que defende em detrimento do luxo e dos teatros, avernaculidade autêntica e concisa do seu discurso, o seu senso comum, têm um impacto cómico em Lisboa,o que é tanto mais irónico quanto fazem sentido. Deste modo, retratando o Parlamento como palcofechado e circular das disputas pessoais que os próprios discursos políticos geram, o narrador troçadaqueles que, em vez de tentarem conhecer e resolver os verdadeiros problemas nacionais, troçam da suapersonagem. Neste sentido, é exemplar o idioleto florido do deputado Libório Meireles, cujas tendênciasplagiárias Calisto não tarda a denunciar.O seu estatuto incorrupto e contudo anacrónico é simbolizado pelotraje: «calças rematando em polainas de madrepérola» cujo feitio copiara daquelas do seu casamento,molde imutável de todo o seu vestuário desde então. Mas a experiência da sociedade lisboeta, cheia demulheres que leem Balzac e lhe dão a conhecer um romance de Camilo, cujos galicismos condenaveementemente, não deixa o herói imune. A contaminação da personagem e os indícios da quedaexpressam-se exteriormente através da primeira visita a um alfaiate lisboeta, impulsionada pela intenção deimpressionar uma jovem menina casadoira cuja irmã ele mesmo acabara de resgatar de uma