Queda de roma
Que a Idade Média não veio a suceder-se bruscamente à Antiguidade parece-me, a priori, um facto evidente. A própria noção de um período intermédio entre os tempos antigos e a época moderna levou algum tempo a surgir. Entrevisto talvez desde o século XVII, só veio, contudo, a ser aceite pela ciência numa data relativamente recente.
Durante longo tempo, os historiadores limitaram-se a desenvolver as suas narrações sem se preocuparem em operar uma pontuação cronológica, sem sentirem necessidade de se deterem numa ou noutra pausa de primordial importância. Quando o conceito de medievismo veio a impor-se à atenção de todos e de cada um - há apenas um século -, o dogma da evolução, da transformação lenta e continua da natureza e da humanidade levou ao menosprezo do problema da descontinuidade. De tal modo que as oposições cardinais entre o período ao qual convém reservar o termo «Antiguidade» e os tempos subseqüentes teriam, sem dúvida, continuado a ser ignoradas se não houvesse a necessidade de operar adentro da narração histórica, determinado tipo de demarcações para fins pedagógicos. Infelizmente, essas divisões cronológicas para fins escolares foram feitas com tão pouco tacto, ou até, por vezes, de um modo tão ridículo, que acabaram por comprometer toda e qualquer tentativa de discriminação entre a Antiguidade e a Idade Média.
Contudo, esta separação corresponde a uma realidade, e seria perigoso recusarmo-nos a operá-la. Se é verdade que o rio do tempo flui com um movimento continuo, também é verdade que a velocidade do seu curso nem sempre é igual: ora diminui ao ponto de o seu movimento ser quase imperceptível, parecendo ser possível resumir em algumas páginas a narração de vários séculos, ora avoluma desmesuradamente o seu caudal, fervilha e desaparece ao longe, obrigando o historiador, como que esmagado pela abundância dos factos que, rápidos, fluem em tumultuoso cachão, a ter de passar toda uma vida ocupado em traçar