quando a lei é cega
Reconhecendo a necessidade de promover o acompanhamento2 dos acusados sob suspeita de sofrimento mental e o tratamento dos pacientes judiciários submetidos à medida de segurança, e garantindo a efetividade das sentenças judiciais, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - TJMG criou, em 2000, o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental (PAI-PJ). Esse programa tem a finalidade de fornecer à autoridade judicial subsídios para decisão nos incidentes de insanidade mental e promover o acompanhamento da aplicação das medidas de segurança ao agente infrator, tanto na modalidade de internação quanto na modalidade de tratamento ambulatorial (TJMG, 2001). Foi por meio desse programa que tivemos acesso ao caso que iremos analisar.
Desde já, ressaltamos que o caso em questão é um daqueles que Michel Foucault designou ubuesco. O termo faz referência ao personagem de Alfred Jarry, o Rei Ubu, que governava de forma grotesca e violenta. O poder do Rei Ubu serve de alegoria para o absurdo dos atos de poder. Foucault toma como ubuescos os discursos médico-judiciários que visam a atestar a periculosidade de alguém. São discursos com estatuto científico, pois são ligados à medicina; pelo poder decisório que possuem, são discursos de vida e de morte – ou, no caso apresentado a seguir, de liberdade ou reclusão; e, ainda, talvez, o mais trágico: são discursos que fazem rir (Foucault, 1975/2001).
São as seguintes as informações recolhidas dos autos judiciais, levemente modificadas a fim de preservar a privacidade de José, como desejamos aqui nomeá-lo. Ele era surdo-mudo, recebeu uma medida de segurança por ter sido considerado inimputável num processo de tentativa de homicídio e quase esteve internado por anos em manicômios por determinação judicial. Cumpria a medida de tratamento ambulatorial, mas tinha um comportamento preocupante, pois se recusava a ser acompanhado pela saúde mental e não fazia uso de medicação