PROFISSIONAIS DO SEXO: DE OBJETOS DE INTERVENÇÃO A AGENTES DE TRANSFORMAÇÃO

PROFISSIONAIS DO SEXO: DE OBJETOS DE INTERVENÇÃO A AGENTES DE TRANSFORMAÇÃO

• Roberto Chateaubriand Domingues1

tudo ainda é tal e qual e no entanto nada é igual nós cantamos de verdade e é sempre outra cidade velha

(Caetano Veloso)

INTRODUÇÃO

Até o final da década de 80, principalmente após a instalação da AIDS enquanto epidemia em todo mundo, os esforços de prevenção empreendidos se circunscreviam à área de repasse de informações sobre as formas de transmissão do HIV, quase sempre voltados para grupos que eram considerados sob maior risco de infecção. Essa estratégia de enfrentamento da epidemia atualmente considerada, por muitos, ingênua do ponto-de-vista da resolutividade, teve como base de sustentação a perplexidade frente ao desconhecimento de uma doença e a urgência de ações, na tentativa de barrar o seu avanço em proporções mais alarmantes.

A falta de referencial para gerir uma questão complexa e de Contornos desconcertantes, seja por seu caráter inédito seja pela conjugação de forças que insistiam em apresentar, sobretudo ao explicitar a necessidade de se pensar e falar abertamente sobre temas que até então não eram ditos em voz alta, como sexualidade e morte, fez com que muitos equívocos fossem cometidos. Entre tentativas de ensaio e erro, construiu-se um conceito fragmentado de uma doença, compartilhado socialmente, onde muitas das suas peças tinham como sustentação a fantasia e hipóteses não confirmadas. Mesmo o avanço das pesquisas científicas e a emergência de novos fatos inquestionáveis que mudaram o perfil da AIDS no mundo não conseguiram demolir de todo o mosaico construído, pois o enigma ainda não foi decifrado e a sombra produzida pelas dúvidas e preconceitos é profícua na criação de fantasmas.

A noção de grupos de risco, apropriada indebitamente do discurso médico pela comunidade, com a complacente permissão dos representantes da ciência e ajuda inestimável da mídia, pode ser exemplar do que se seguiu à tentativa de