prefácio amor liquido
O herói de seu livro é Der Mann ohne Verwandtschaften — o homem sem vínculos, e particularmente vínculos imutáveis como os de parentesco no tempo de Ulrich. Não tendo ligações indissolúveis e definitivas, o herói de seu livro — o cidadão de nossa líquida sociedade moderna — e seus atuais sucessores são obrigados a amarrar um ao outro, por iniciativa, habilidades e dedicação próprias, os laços que porventura pretendam usar com o restante da humanidade. Desligados, precisam conectar-se... Nenhuma das conexões que venham a preencher a lacuna deixada pelos vínculos ausentes ou obsoletos tem, contudo, a garantia da permanência. De qualquer modo, eles só precisam ser frouxamente atados, para que possam ser outra vez desfeitos, sem grandes delongas, quando os cenários mudarem — o que, na modernidade liquida, decerto ocorrerá repetidas vezes.
A misteriosa fragilidade dos vínculos humanos, o sentimento de insegurança que ela inspira e os desejos conflitantes (estimulados por tal sentimento) de apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos, é o que este livro busca esclarecer, registrar e apreender.
Carecendo da visão aguda de Musil, tanto quanto da riqueza de sua palheta e da sutileza de suas pinceladas — de fato, de quaisquer dos requintados talentos que fizeram de Der Mann ohne Eigenschaften um retrato definitivo do homem moderno —, devo restringir-me a traçar um painel de esboços imperfeitos e fragmentários, em lugar de tentar produzir uma imagem completa. O máximo que posso esperar obter é um kit identitário, um retraio compósito capaz de conter tanto lacunas e espaços em branco quanto seções completas. Mesmo essa composição final, contudo, será um trabalho inacabado, a ser concluído pelos leitores.
O principal herói deste livro é o relacionamento humano. Seus personagens centrais são homens e mulheres, nossos contemporâneos, desesperados por terem sido