Preconceito linguistico
A pergunta "O que é literatura?", dirigida a uma pessoa que, mesmo interessada em livros e leituras, não faça parte daquele círculo mais estreito dos que se ocupam profissionalmente com ela – professores e estudantes de Letras, escritores, jornalistas –, causará certamente embaraço a seu destinatário.
E o embaraço não será decorrência do pressentido caráter complexo da resposta a ser dada; ao contrário, a pessoa interrogada achará tão óbvia a resposta que não atinará com o motivo por que se faz uma pergunta tão... idiota. Provavelmente, nosso interrogado imaginário franzira a testa, surpreso pelo inusitado da questão, e rebaterá com outra(s) pergunta(s): “Como?! Hein?! O quê?! O que é literatura?!”. Se insistirmos, a resposta será algo equivalente ao seguinte: “Bem, literatura é uma obra escrita, quero dizer, um romance, um livro de poesias, ou de contos”1.
Respostas assim, na verdade, não chegam a responder à pergunta feita. Não formulando uma definição, limitam-se a alinhar exemplos – obra escrita, romance, livro de poesias, livro de contos –, o que equivale a aceitar uma espécie de noção difusa e naturalizada de literatura. Difusa porque o vocábulo “literatura”, segundo tais respostas, não corresponderia a um conceito, isto é, a algo abstrato, definido ou delimitado, antes ilimitando seu alcance, por cobrir inumeráveis exemplos mais ou menos semelhantes entre si; e naturalizada porque corresponderia a uma idéia comunitariamente admitida como tão normal, tão natural, que destitui de toda pertinência e sentido a pergunta “O que é literatura?”.
Voltemos agora àquele círculo mais estreito dos que, de algum modo, se ocupam profissionalmente com a literatura. Para os integrantes desse círculo, a pergunta seria também embaraçosa. E isso certamente, como já se terá percebido, não porque ela seja impertinente ou sem sentido, nem porque sua resposta seja óbvia; ao contrário, a perturbação do interrogado derivará de sua familiaridade com o caráter complexo da