Preciso de cabulas xd
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Ainda que insistentemente tranquilizada pelo confessor, tem D. Maria Ana, nestas ocasiões, grandesescrúpulos de alma. Retirados el-rei e os camaristas,
deitadas já as damas que a servem e lhe protegem o
sono, sempre cuida a rainha que seria sua obrigação
levantar-se para as últimas orações, mas, tendo de
guardar o choco por conselho dos médicos, contenta-se
com murmurá-las infinitamente, passando cada vez
mais devagar as contas do rosário, até que adormece
no meio duma ave-maria cheia de graça, ao menos
com essa foi tudo tão fácil, bendito seja o fruto do
vosso ventre, e é no do seu ansiado próprio que está
pensando, ao menos um filho, Senhor, ao menos um
filho. Deste involuntário orgulho nunca fez confissão,
por ser distante e involuntário, tanto que se fosse
chamada a juízo juraria, com verdade, que sempre se
dirigira à Virgem e ao ventre que ela teve. São meandros do
inconsciente
real, como aqueles outros sonhos
que sempre D. Maria Ana tem, vá lá explicá-los, quando
el-rei vem ao seu quarto, que é ver-se atravessando o
Terreiro do Paço para o lado dos açougues, levantando a saia à frente e
patinhando numa lama aguada
e pegajosa que cheira ao que cheiram os homens
quando descarregam, enquanto o infante D. Francisco,
seu cunhado, cujo antigo quarto agora ocupa, alguma
assombração lhe ficando, dança em redor dela, empoleirado em andas,
como uma
cegonha negra. Também
deste sonho nunca deu contas ao confessor, e que
contas saberia ele dar-lhe por sua vez, sendo, como é,
caso omisso no manual da perfeita confissão. Fique
D. Maria Ana em paz, adormecida, invisível sob a montanha de penas, enquanto
os percevejos começam a
sair das fendas, dos refegos, e se deixam cair do alto
dossel, assim tornando mais rápida a viagem.
D. Maria Ana limita-se única e exclusivamente a dar ao rei, um descendente legítimo. D. Maria Ana é frustrada, infeliz e traída, tendo uma vida em