portugues
Formosura do Céu a nós descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;
Qual língua pode haver tão atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti há se vê perdida?
Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraíso,
Logo o engenho me falta, o espírito míngua.
Mas o que mais me impede inda louvar-te,
É que quando te vejo perco a língua,
E quando não te vejo perco o siso.
Luís Vaz de Camões, "Sonetos"
Retratação
Son reo, non mi difendo;
Puniscimi, se vuoi!
Metastásio
Perdoa as duras frases que me ouviste:
Vê que inda sangra o coração ferido,
Vê que inda luta moribundo em ánsias
Entre as garras da morte.
Sim, eu devera moderar meu pranto,
Sofrear minhas iras vingativas,
Deixar que as minhas lágrimas corressem
Dentro do peito em chaga.
Sim, eu devera confranger meus lábios,
Mordê-los té que o sangue espadanasse,
Afogar na garganta a ultriz sentença,
Apagá-la em meu sangue.
Sim, eu devera comprimir meu peito,
Conter meu coração, que não pulsasse,
Apagado vulcão, que inda fumega,
Que faz, que jorra cinzas?
Que m'importava a mim teu fingimento,
Se uma hora fui feliz quando te amava,
Se ideei breve sonho de venturas,
Dormindo em teu regaço;
Luz mimosa de amor, que te apagaste,
Ou gota pura de cristal luzente
Filtrando os poros de uma rocha a custo,
Caída em negro abismo!
Devera pois meu pranto borrifar-te
Amigo e benfazejo, como aljôfar
De branco orvalho em pérolas tornado
Num cálice de flor;
Não converter-se em pedras de saraiva,
Em chuva de granizo fulminante,
Que em chão de morte as pétalas viçosas
Desfolhasse entreabertas.
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Feliz o doce poeta,
Cuja lira sonora
Ressoa como a queixosa,
Trépida fonte a correr;
Que só tem palavras meigas,
Brandos ais, brandos acentos,
Cuja dor, cestos