Polis
O que implica o sistema da polis é primeiramente uma extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos do poder. Entre a política e o logos, há assim relação estreita, vinculo recíproco. A arte política é essencialmente exercício da linguagem; e o logos, na origem, toma consciência de si mesmo. Uma segunda característica da polis é o cunho de plena publicidade dada às manifestações mais importantes da vida social. Pode-se mesmo dizer que a polis existe apenas na medida em que se distinguiu um domínio público, nos dois sentidos diferentes, mas solidários do termo: um setor de interesse comum, opondo-se aos assuntos privados; práticas abertas, estabelecidas em pleno dia, opondo-se a processos secretos. Esse duplo movimento de democratização e de divulgação terá, no plano intelectual, conseqüências decisivas. A cultura grega constitui-se, dando a um circulo sempre mais amplo — finalmente ao demos todo — o aceso ao mundo espiritual, reservado no inicio a uma aristocracia de caráter guerreiro e sacerdotal. Doravante, a discussão, a argumentação, a polemica torna-se as regras do jogo intelectual, assim como do jogo político. O controle constante da comunidade se exerce sobre as criações do espírito, assim como sobre as magistraturas do Estado. A lei da polis, por oposição ao poder absoluto do monarca, exige que umas e outras sejam igualmente submetidas à “prestação de contas”. Já se não impõe pela força de um prestigio pessoal ou religioso; devem mostrar sua retidão por processos de ordem dialética. Ao lado da recitação decorada de textos de Homero ou de Hesíodo que continua sendo tradicional —, a escrita constituirá o elemento de base da paidéia grega. Compreende-se assim o alcance de uma reivindicação que surge desde o nascimento da cidade: a redação das leis. Ao escrevê-las, não se faz mais que assegura-lhes permanência e fixidez. Subtraem-se à autoridade privada dos basileis, cuja função era “dizer” o direito; torna-se bem