Poesias
Um sábio me dizia: esta existência, não vale a angústia de viver. A ciência, se fôssemos eternos, num transporte de desespero inventaria a morte.
Uma célula orgânica aparece no infinito do tempo. E vibra e cresce e se desdobra e estala num segundo.
Homem, eis o que somos neste mundo.
Assim falou-me o sábio e eu comecei a ver dentro da própria morte, o encanto de morrer.
Um monge me dizia: ó mocidade, és relâmpago ao pé da eternidade!
Pensa: o tempo anda sempre e não repousa; esta vida não vale grande coisa.
Uma mulher que chora, um berço a um canto; o riso, às vezes, quase sempre, um pranto.
Depois o mundo, a luta que intimida, quadro círios acesos : eis a vida
Isto me disse o monge e eu continuei a ver dentro da própria morte, o encanto de morrer.
Um pobre me dizia: para o pobre a vida, é o pão e o andrajo vil que o cobre.
Deus, eu não creio nesta fantasia.
Deus me deu fome e sede a cada dia mas nunca me deu pão, nem me deu água.
Deu-me a vergonha, a infâmia, a mágoa de andar de porta em porta, esfarrapado.
Deu-me esta vida: um pão envenenado.
Assim falou-me o pobre e eu continuei a ver, dentro da própria morte, o encanto de morrer.
Uma mulher me disse: vem comigo!
Fecha os olhos e sonha, meu amigo.
Sonha um lar, uma doce companheira que queiras muito e que também te queira.
No telhado, um penacho de fumaça.
Cortinas muito brancas na vidraça
Um canário que canta na gaiola.
Que linda a vida lá por dentro rola!
Pela primeira vez eu comecei a ver, dentro da própria vida, o encanto de viver.
Ronald de Carvalho
O mercado de prata, de ouro e esmeralda
Cheira a mar! cheira a mar!
As redes pesadas batem como asas,
As redes úmidas palpitam no crepúsculo.
A praia lisa é uma cintilação de escamas.
Pulam raias negras no ouro da areia molhada,
O aço das tainhas faísca em mãos de ébano e bronze.
Músculos, barbatanas, vozes e estrondos, tudo se mistura,
Tudo se mistura no criar da espuma que ferve