Poemas de Carlos Drummond
Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços, não cantaremos o ódio, porque este não existe, existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro, o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos, o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas, cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas, cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas
Poema da purificação
Depois de tantos combates o anjo bom matou o anjo mau e jogou seu corpo no rio.
As água ficaram tintas de um sangue que não descorava e os peixes todos morreram.
Mas uma luz que ninguém soube dizer de onde tinha vindo apareceu para clarear o mundo, e outro anjo pensou a ferida do anjo batalhador.
Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim.
Canção Final
Oh! se te amei, e quanto!
Mas não foi tanto assim.
Até os deuses claudicam em nugas de aritmética.
Meço o passado com régua de exagerar as distâncias.
Tudo tão triste, e o mais triste é não ter tristeza alguma.
É não venerar os códigos de acasalar e sofrer.
É viver tempo de sobra sem que me sobre miragem.
Agora vou-me. Ou me vão?
Ou é vão ir ou não ir?
Oh! se te amei, e quanto, quer dizer, nem tanto assim.
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto
Fernandes
que não tinha entrado na história.
No meio do caminho
No