Poemas camonianos
Alma minha gentil, que te partiste
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
Análise:
- Soneto decassílabo (14 versos de dez sílabas poéticas organizados em 2 quartetos e 2 tercetos)
- Rimas externas, com esquema rítmico ABBA ABBA CDC DCD sendo as rimas “A” interpoladas e as rimas “B” emparelhadas - nas duas primeiras estrofes (quartetos); e as rimas “C” e “D” alternadas - nas duas últimas estrofes (tercetos).
- Repetição da consoante T (aliteração que nos remete à sonoridade da palavra ‘partir/partiste”) e das vogais E, I, U ao longo do soneto (assonâncias que mantêm a musicalidade).
- Temática baseada na morte da amada do poeta e na dor que este sente pela perda, e a inconformidade de ter perdido a amada tão prematuramente (“Alma minha gentil, que te partiste / Tão cedo desta vida...”)
- Visível influência das ideias platônicas (mundo sensível x mundo inteligível) presente na utilização da inicial maiúscula na palavra “Céu” (“Repousa lá no Céu eternamente”)
- No último terceto, o poeta roga para a amada (e, indiretamente, para Deus) que o leve também desta vida para que ele possa reencontrar sua amada, tamanha é sua dor (“Roga a Deus, que teus anos encurtou, / Que tão cedo de cá me leve a ver-te, / Quão cedo de meus olhos te levou”)
- Utilização de eufemismos para a morte da amada (“ Partiste tão cedo desta vida”, “Deus, que teus anos encurtou”, “Quão cedo de meus olhos te levou”), que pode ser entendido como uma forma de afastamento irreversível entre o poeta e sua amada e a