Poema
1
Dir-se-ia, quando aparece dançando por siguiriyas, que com a imagem do fogo inteira se identifica.
Todos os gestos do fogo que então possui dir-se-ia: gestos das folhas do fogo, de seu cabelo, sua língua;
gestos do corpo do fogo, de sua carne em agonia, carne de fogo, só nervos, carne toda em carne viva.
Então, o caráter do fogo nela também se adivinha: mesmo gosto dos extremos, de natureza faminta,
gosto de chegar ao fim do que dele se aproxima, gosto de chegar-se ao fim, de atingir a própria cinza.
Porém a imagem do fogo é num ponto desmentida: que o fogo não é capaz como ela é, nas siguiriyas,
de arrancar-se de si mesmo numa primeira faísca, nessa que, quando ela quer, vem e acende-a fibra a fibra,
que somente ela é capaz de acender-se estando fria, de incendiar-se com nada, de incendiar-se sozinha.
2
Subida ao dorso da dança
(vai carregada ou a carrega?) é impossível se dizer se é a cavaleira ou a égua.
Ela tem na sua dança toda a energia retesa e todo o nervo de quando algum cavalo se encrespa.
Isto é: tanto a tensão de quem vai montado em sela, de quem monta um animal e só a custo o debela,
como a tensão do animal dominado sob a rédea, que ressente ser mandado e obedecendo protesta.
Então, como declarar se ela é égua ou cavaleira: há uma tal conformidade entre o que é animal e é ela,
entre a parte que domina e a parte que se rebela, entre o que nela cavalga e o que é cavalgado nela,
que o melhor será dizer de ambas, cavaleira e égua, que são de uma mesma coisa e que um só nervo as inerva,
e que é impossível traçar nenhuma linha fronteira entre ela e a montaria: ela é a égua e a cavaleira.
3
Quando está taconeando, a cabeça, atenta, inclina, como se buscasse ouvir alguma voz indistinta.
Há nessa atenção curvada muito de telegrafista, atento para não perder a mensagem