Pequena história da melancolia
Moacyr Scliar
Jornal "Folha de São Paulo", Domingo, 17 de junho de 2001
Em 1621 foi publicado na Inglaterra um livro que de imediato fez sucesso, tanto sucesso que o editor conseguiu comprar uma propriedade com os lucros obtidos. E não foi um sucesso transitório: mais três edições apareceram na década seguinte, o que, para a época, significava uma grande vendagem. O livro é "The Anatomy of Melancholy" (A Anatomia da Melancolia), de Robert Burton. O título nos parece hoje um tanto estranho, mas não o era à época. "Anatomia", como metáfora para análise, dissecção intelectual, era uma expressão bastante usada na Renascença. Que aliás viu o nascimento da anatomia humana: essa é a época em que surge o importante tratado "Humanis Corpore Fabrica", de Andreas Vesalius. Melancolia é um termo que vem desde a Antiguidade clássica: Hipócrates procurou explicar os distúrbios mentais como resultado de um desequilíbrio entre os quatro humores básicos do corpo: o sangue, a linfa, a bile amarela e a bile negra, a que correspondiam os quatro temperamentos: sanguíneo, fleumático, colérico e melancólico. A bile negra acumula-se de preferência no baço, cujo nome em inglês, "spleen", alude ao estado melancólico. Mais tarde, buscou-se uma correspondência astrológica entre humores e planetas; a melancolia foi então associada com Saturno, planeta distante, de lenta movimentação. Contudo, na visão aristotélica, a bile negra também confere qualidades artísticas e intelectuais. As idéias de Hipócrates e Aristóteles foram ampliadas pelo mais célebre médico da Antiguidade, Galeno de Pérgamon (c. 129 d.C.-c. 200 d.C.). Galeno acreditava que o cérebro -não o coração, como dizia Aristóteles- era o centro das emoções. A melancolia resultava, para Galeno, de uma inundação do cérebro pela bile negra, cujo excesso, por sua vez, era consequência de um espessamento do sangue, a ser tratado pela sangria. No início da Idade Média ocidental,