Pedagogia
Comida como narrativa da memória social
As autoras partem da idéia de que o alimento é natural à sobrevivência da espécie humana, mas sua dimensão cultural é posta em relevo pela ação social. Construindo sua reflexão com base em experiências vividas por uma família judia sefardi radicada no Brasil e analisando duas receitas de comidas cotidianas dessa família, as autoras discutem como uma comunidade pode manifestar na comida emoções, sistemas de pertinências, significados, relações sociais e sua identidade coletiva. Desenvolvem o argumento de que se a comida é uma voz que comunica, assim como a fala, ela pode contar histórias. As autoras sugerem que a comida e as práticas da alimentação podem se constituir como narrativa da memória social de uma comunidade.
Palavras-chave: comida judaica; memória social; narrativa; comunidade; identidade
Denise Amon
Doutora em Psicologia deniseamon@uol.com.br Renata Menasche
Doutora em Antropologia Social. Professora do PGDR/UFRGS e pesquisadora da FEPAGRO renata.menasche@pq.cnpq.br Resumo
Sociedade e Cultura, v.11, n.1, jan/jun. 2008. pg 13 a 21
De um caderno de receitas: introdução
Em 1994, final do ano, São Paulo. A avó de uma das autoras deste trabalho estava no hospital, morrendo. Logo em seguida, uma de suas irmãs, a mais próxima, também tratada por avó, faleceria. Permaneceria viva apenas uma das irmãs, que morava no Rio de Janeiro. Naquela época, as irmãs estavam na faixa entre 90 e 100 anos.
Em 1996, a neta escreveria uma carta para sua tia-avó, da qual transcrevemos um trecho:
Oi vó Miriam
Estou te escrevendo, por sugestão da mãe, pela seguinte razão: eu comecei a escrever as receitas das comidas da nossa família, aquelas que a vó Judith, a vó Rachel e tu nos ensinaram a gostar, para fazer um tipo de um livrinho que vou dar de presente para todas as pessoas da nossa família. Eu me dei conta que nós, da terceira geração, não sabemos cozinhar essas comidas que comemos na casa das nossas mães e das