Panorama do HPV no Brasil e no Mercosul
Marcos Desidério Ricci
Introdução
Não existe discurso politicamente mais correto que o da prevenção. Todos - médicos, administradores de saúde, imprensa leiga, políticos - o fazem com a mesma ênfase. Entretanto, na prática ele não se cumpre e persiste um enorme fosso entre o discurso e a realização concreta. Na época do nosso descobrimento, Leonardo Da Vinci já dizia: "a suprema desgraça ocorre quando a teoria supera a prática". Mesmo considerando que em política isso é a regra e não uma exceção, é difícil entender que em questão tão vital como a saúde ocorra a mesma farsa pois, quando se lida com políticas públicas e particularmente com saúde, dever-se-ia usar o conceito kantiniano da "lei moral" ou da "ética do dever".
Vale a pena refletir portanto, sobre os empecilhos e armadilhas interpostos no caminho, para que, conhecendo-os, se possa superá-los.
A importação de modelos alienígenas, particularmente dos países desenvolvidos, é um deles. Os escandinavos começam a substituir a técnica de citologia oncótica (Papanicolaou) para a detecção do câncer cervical, pela hibridização, ou seja, tipagem viral. Como hoje se tem certeza de que o câncer de colo é uma doença sexualmente transmissível e um dos fatores etiológicos fundamentais é o vírus do papiloma humano (HPV), o certo seria diagnosticá-lo precocemente antes que ele causasse o câncer e tratá-lo nessa fase. Isso é válido para a Suécia onde o diagnóstico precoce e a detecção feitos através do Papanicolaou, de forma rotineira e durante várias décadas, praticamente acabaram com a mortalidade por câncer de colo uterino. A lógica é irrefutável. Entretanto, não existe lógica que fuja ao contexto onde ela está inserida. Atualmente, o desafio para os escandinavos é prevenir primariamente, portanto, tipar e tratar os vírus HPV, substituindo-se, com décadas de um bom trabalho, a prevenção secundária (detecção) pela primária. Não é exatamente esse o nosso quadro.
É quase uma questão