Palomar na Praia
[Março/2004]
(Italo Calvino)
O mar está levemente encrespado e pequenas ondas quebram na praia arenosa. O senhor Palomar está de pé na areia e observa uma onda. Não que esteja absorto na contemplação das ondas. Não está absorto, porque sabe bem o que faz: quer observar uma onda e a observa. Não está contemplando, porque para a contemplação é preciso um temperamento conforme, um estado de ânimo conforme e um concurso de circunstâncias externas conforme: e embora em princípio o senhor Palomar nada tenha contra a contemplação, nenhuma daquelas três condições, todavia, se verifica para ele. Em suma, não são "as ondas" que ele pretende observar, mas uma simples onda e pronto: no intuito de evitar as sensações vagas, ele predetermina para cada um de seus atos um objetivo limitado e preciso.
O senhor Palomar vê uma onda apontar na distância, crescer, aproximar-se, mudar de forma e de cor, revolver-se sobre si mesma, quebrar-se, desfazer-se. A essa altura poderia convencer-se de ter levado a cabo a operação a que se havia proposto e ir-se embora. Contudo, isolar uma onda da que se lhe segue de imediato e que parece às vezes suplantá-la ou acrescentar-se a ela e mesmo arrastá-la é algo muito difícil, assim como separá-la da onda que a precede e que parece empurrá-la em direção à praia, quando não dá até mesmo a impressão de voltar-se contra ela como se quisesse fechá-la. Se então considerarmos cada onda no sentido de uma amplitude, paralelamente à costa, será difícil estabelecer até onde a frente que avança se estende contínua e onde se separa e se segmenta em ondas autônomas, distintas pela velocidade, a forma, a força, a direção.
Em suma, não se pode observar uma onda sem levar em conta os aspectos complexos que concorrem para formá-la e aqueles também complexos a que essa dá ensejo. Tais aspectos variam continuamente, decorrendo daí que cada onda é diferente de outra onda; mas da mesma maneira é verdade que cada onda é igual