Os três povos
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José Murilo de Carvalho
A primeira quinzena republicana, que vai de 1889 até a Revolta da Vacina em 1904, foi turbulenta. Houve assassinatos políticos, golpes de estado, revoltas populares, greves, rebeliões militares, guerras civis. Ausente da proclamação do novo regime, o povo esteve presente nesses anos iniciais. Mas as oligarquias conseguiram inventar e consolidar um sistema de poder capaz de gerenciar seus conflitos internosque deixava o povo de fora.
Inaugurou-se umperíodo de paz oligárquica, baseado emuma combinação de cooptação e repressão, interrompido apenas em 1922, quando se deu a primeira revolta tenentista. O propósitodeste capítulo é examinar a posiçãodopovo, emsuas várias faces, durante esse apogeu do sistema oligárquico, quando a órbitada República mais se distanciou da democracia. O povo no início da República
O movimento republicano posterior a 1870 foi integrado sobretudo por fazendeiros, profissionaisliberais,jornalistas, professores, estudantes de cursos superiores e oficiais do
Exército. Era uma combinação de proprietários rurais, predominantes no partido paulista, e representantes de setores médios urbanos, mais presentes no grupo do Rio de Janeiro. Povo mesmo, no sentido de trabalhadores ruraise urbanos, operários, artesãos, pequenos proprietários, funcionários públicos de nível inferior, empregados, não havia. A proclamação do novo regimefoi feita pelosmilitares. A única manifestação popular nodia
15 de Novembro deveu-se ao renegado José do Patrocínio que proclamou a República na
Câmara Municipal.
No entanto, os conflitos entre os novos donos do poder, que se seguiramà proclamação, permitiram algumaparticipação popular durante os primeiros 15 anos do
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Publicado originalmente emMaria Alice Resende de Carvalho, org. Repúblicano Catete. Rio de Janeiro:
Museu daRepública, 2002, 61-87.
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novo regime. Houve choques entre civis e militares, entre militares da Marinha