Os Raros 10 Minutos
Sou dependente. Não consigo ser independente pelo simples fato de eu ser imóvel. Sou uma musa presa junto às minhas irmãs, que também estão cansadas. Estamos sendo ignoradas desde que fomos trazidas para cá. Os universitários não sabem quase nada sobre nós a não ser o motivo da nossa criação: Ramos de Azevedo. O grande Ramos de Azevedo: um engenheiro extraordinário com gana de artista, que me criou e criou minhas irmãs muito bem. Sempre dedicado, se esforça muito para deixar o seu trabalho o mais digno e idealizado o possível. É capaz de refazer cem vezes ou quantas forem necessárias para ficar do jeito que ele queria.
Tenho dó quando escuto os estudantes da USP discutirem sobre a possível existência de Deus. Ramos é meu Deus, ele é o criador de tudo. O resto, o fora de mim já não interessa. São apenas dois mundos que se interligam mas quase não dialogam. Talvez que se interligam mas quase não dialogam. Talvez o mundo da Monalisa, do Coliseu ou da Torre Eiffel seja mais feliz, já que eles nunca estão sozinhos. Sempre famosos, com gente relembrando, apreciando e se deliciando com a grandeza que todos eles representam.
Não culpo Ramos. Ele tinha um objetivo e o cumpriu. Quem sabe até se surpreendeu com o trabalho final, vindo nos visitar várias vezes. Mas é solitário não poder conversar com mais nenhum vivo. Com Ramos, as conversas duraram horas, com os poucos outros mortais, não conseguem ultrapassar dez minutos.
Antes era fácil viver. Hoje, esses dez minutos de cada estudante são quase uma droga para eu não desistir, como as minhas irmãs, que nunca olham nos olhos de nenhum estudante. Putas. Que se recusam a conversar.