Os Funerais do Coelho Branco - Livro do Nene Altro
CAPÍTULO UM.
Café e necrofilia, o defunto nunca esfria.
Opiniões.
As pessoas estão cheias delas.
E eu estou cheio delas.
Delas e das pessoas.
(...)
Aqui se escreve um testamento.
Aqui se faz aqui se paga.
Aqui se nega um juramento.
Aqui se nasce aqui se mata.
(...)
Já eu.
Eu não.
Eu não quero e não sei.
E já nem quero saber.
(...)
Só sei que pulso.
Pulso e sangro.
Não sei mais nada.
Nem sei se quero.
***
Era só um dia igual.
Ele abriu os olhos.
Sentiu o vazio.
Boneco do posto.
Cheio de vento.
Ele coçou a cabeça.
Cabelo ensebado.
Ele sente preguiça.
Preguiça da vida.
Era uma vez uma história.
Daquelas sem a mínima graça.
Sem porquinho, sem carneiro, sem pato feio.
Daquelas que você cansou de ouvir.
E cansou de viver.
No silêncio os subtítulos são dispensáveis.
E o filme é ridículo.
Ator podre.
Tradução medíocre do título original para o português.
Cenários que não se encaixam.
Era só um dia igual.
***
Segui pela rua da quitanda.
Suja.
Cachorro magro e velho na porta.
E eu odeio pombo.
Símbolo da paz.
Nunca estou em paz.
Penso em um monge budista com o rabo entupido de anfetamina.
Ele também odiaria pombo.
E usaria cinta liga.
Nirvana o caralho.
Passo aqui todo dia.
Cheira mal.
Deve ser o cachorro.
Café puro.
O pombo da quitanda cisca no chão do bar.
Rato com asa.
Agindo feito galinha.
O tiozinho no outro lado do balcão olha pra mim.
Nove e meia da manhã.
Deve ser sua terceira pinga já.
Tá em conserva.
Moribundo no formol.
Por isso não morre.
Por isso todo dia está alí.
Deve ser ele que fede.
Calendário de cerveja com mulher peituda.
Tão bonita que deve ser um saco.
Não tenho saco pra mulher assim.
Sorriso branco.
Peito e cerveja.
TPM, dívida, reclamação.
O Photoshop denuncia seu espírito.
Prefiro o cachorro, o pombo e o tiozinho.
E olha que eu odeio pombo.
No meu café não tem mulher peituda.
Mas tem um reflexo escuro.
Que eu queria esquecer.