Olhar
Rubem alves
Foi ele mesmo quem me contou, como confissão de cegueira, dando depois permissão para que eu relatasse o milagre desde que não revelasse o santo. Médico, chegou a seu consultório com seus olhos perfeitos e a cabeça cheia de pensamentos. Eram pensamentos graves, cirurgias, hospitais, e os doentes o aguardavam na sala de espera.
Entrou o primeiro paciente que se submeteu mansamente a apalpação médica. Terminada a consulta, escrita a receita, no ato de despedida ele fez um elogio: “Doutor, que lindas são as orquídeas na sua sala de espera!”.
Meu amigo sorriu embaraçado, com vergonha de dizer que não havia notado orquídea alguma na sala de espera e que, portanto, nada sabia da beleza que o doente notara. Teve vergonha de revelar a sua cegueira. Entrou o segundo paciente. Ao final da consulta, sem conseguir conter o que sentia, observou: “São maravilhosas as orquídeas na sua sala de espera, doutor!” Novamente o sorriso amarelo, sem poder dizer o que não sabia sobre as orquídeas que não havia visto.
Veio o terceiro paciente e a coisa se repetiu do mesmo jeito. Aí o doutor deu uma desculpa, saiu da sala, e foi ver as orquídeas que o jardineiro colocará na sala de espera. Eram, de fato, lindas. Mas aí veio a agravante, pois o paciente, não satisfeito com a humilhação imposta ao doutor cego, observou que, na semana anterior, a árvore dentro da sala de consulta, plantada num vaso imenso, num canto, não era a mesma que ali estava, naquele dia. Mas o doutor cego de olhos perfeitos não notara a presença da árvore na semana anterior...
Ah! Você se espanta que tal cegueira possa existir! Mas eu lhe garanto que é assim que funcionam os olhos dos adultos em geral.
Lá se vão pelo caminho a mãe e a criança, que vai sendo arrastada pelo braço - segurar pelo braço é mais eficiente que segurar pela mão. Vão os dois pelo mesmo caminho, mas não vão pelo mesmo caminho. Blake dizia que a árvore que o tolo vê não é a mesma árvore que o sábio vê. Pois